BRUCELOSE


A Brucelose constitui-se em doença infecciosa com característica de zoonose. Nos cães, o principal agente causal é a Brucella canis, mas eles podem também infectar-se por outras espécies do gênero Brucella (4, 5).

         No Brasil, atualmente, pouco se tem feito para a determinação de dados epidemiológicos da doença, em função da dificuldade em se estabelecer o diagnóstico final. Os proprietários de canis não costumam adotar medidas de prevenção e controle, seja por simples desconhecimento da existência da doença, seja por considerarem a Brucelose como uma doença de importância menor. Estudos de soroprevalência em cães demonstraram que a doença é muito freqüente em locais com alta densidade de cães mantidos livres e em canis que não adotam medidas de controle (5, 6). A Brucelose tem especial importância para criadores de cães, pois invariavelmente interrompe a carreira reprodutiva de um animal (4).

 Caracterização do agente

         A Brucella canis é um cocobacilo, gram-negativo, imóvel e de pequena dimensão (4, 5, 6, 8). Os hospedeiros principais deste agente são principalmente os cães e canídeos selvagens (4, 5, 6, 8). Apenas 35 casos de brucelose em humanos devido à infecção por Brucella canis foram relatados, decorrentes de manipulações em cães infectados (3, 5).

 Transmissão

         A forma de transmissão mais comum é a ingestão ou inalação de aerossóis provenientes de material abortado ou de secreções de abortamentos (3, 4, 5, 8). O sêmen também pode funcionar como via de transmissão, pois alberga uma grande quantidade de bactérias, principalmente entre 3 e 11 semanas pós-infecção, caracterizando a brucelose como doença venéreo-trasmissível (1, 3, 6). A contaminação de fêmeas sadias por machos infectados, através do coito, parece ser mais freqüente que a transmissão de uma fêmea infectada para um macho sadio (3). Em animais infectados, é possível isolar o agente de secreção salivar, secreção vaginal de fêmeas fora do período de cio, e leite, sendo poucos microrganismos encontrados na urina, principalmente em fêmeas (1, 3, 4, 5, 6, 8). Machos infectados agudamente podem conter na urina cerca de 103 a 106 Brucella canis /ml (3, 4, 8). Existem relatos de transmissão por meio de fômites, tais como vaginoscópios, seringas contaminadas, transfusão sangüínea e inseminação artificial (5).

         A porta de entrada mais importante do agente parece ser a mucosa oral; entretanto, é sabido que a infecção pode ocorrer através das mucosas nasal, conjuntival e genital, da pele lesada e através da placenta (3, 4, 5, 6, 8). Após a penetração do agente no organismo, a bactéria é fagocitada por macrófagos e outras células do sistema imune e transportada para os linfonodos, ocasionando linfadenopatia transitória (5, 8). A partir do sistema linfático, a bactéria atinge a circulação sangüínea, acarretando bacteremia, que pode persistir por 6 a 64 meses (5, 6, 8). A bactéria passa a se replicar no interior de leucócitos ou no tecido linforeticular, como fígado, baço e linfonodos, podendo provocar hiperglobulinemia (2, 4, 5, 6, 8). Os órgãos reprodutivos infectados são apenas o útero em cadelas prenhes (tecido gonadal de dependência esteroidogênica) e os testículos, epidídimos e próstata de cães machos (2, 3, 5, 6, 8). Nas fêmeas, a Brucella canis coloniza as células epiteliais da placenta, ocasionando morte embrionária ou fetal, e aborto (2, 8). As cadelas podem levar a gestação adiante, parindo tanto filhotes mortos como vivos na mesma ninhada; entretanto, os filhotes vivos geralmente morrem em poucas horas ou dias (8). Cadelas não prenhes não mostram sinais de infecção, porém podem albergar a bactéria na urina e em secreções vaginais (6, 8).

         A ocorrência de orquite não é sinal tão comum em brucelose como a epididimite; porém, é possível encontrar inflamação, alteração na espermatogênese, fibrose e, em casos avançados, atrofia testicular com severo comprometimento da função reprodutiva (7, 8). A persistência do agente em epidídimo e próstata faz com que a urina seja a principal via de eliminação em machos. Todavia, a Brucella canis não causa sintomas clínicos de alterações prostáticas (3, 4, 5). Casos de uveíte, discopondilite, meningite, glomerulonefrite e dermatite piogranulomatosa decorrentes de infecção por Brucella canis já foram descritos em literatura 4, 5.

 Sintomas

         Em cães adultos, a infecção por Brucella canis não promove alterações clínicas evidentes (2, 4, 5, 6, 8). No curso inicial da doença, pode ocorrer linfadenopatia em ambos os sexos, raramente acompanhada de febre (1, 2, 4, 5). O sinal clínico mais evidente da Brucelose é o aborto entre 45 e 59 dias de gestação (duas semanas antes da data programada para parição), sem alteração significante no ciclo estral (1, 2, 4, 5, 6, 8). Após o abortamento, a fêmea apresenta descarga vaginal de secreção serosanguinolenta ou esverdeada durante 1 a 6 semanas 1). Normalmente, tanto o feto abortado como os tecidos placentários estão autolisados (8) , apresentando edema subcutâneo, congestão e hemorragia subcutânea em região abdominal (1, 5). Embora o abortamento no terço final seja a forma clássica, a interrupção da gestação pode ocorrer em qualquer fase, inclusive morte embrionária precoce (1, 2, 5, 6, 8). Desta forma, há queixa de infertilidade, pois a perda embrionária é imperceptível para o proprietário da fêmea (4, 8). Quando a gestação progride à termo, os filhotes podem nascer fracos e morrerem em pouco tempo (1, 2, 4, 5, 8). Os filhotes que sobrevivem ou que se tornam infectados quando neonatos normalmente desenvolvem linfadenopatia periférica até atingirem a maturidade sexual (1, 2, 4, 5).

         Em relação ao macho, alterações nos parâmetros seminais podem ser observadas, como por exemplo, defeitos espermáticos, diminuição da motilidade e da concentração espermáticas e do volume do ejaculado (4, 7). A alteração na qualidade seminal pode ser detectada a partir de 5 semanas pós-infecção, atingindo máxima intensidade na 8a semana (7). As principais alterações na morfologia espermática são: espermatozóides imaturos, alteração acrossomal, edema de peça intermediária, gotas citoplasmáticas, caudas dobradas, destacamento de peça intermediária e aglutinação de espermatozóides em região de cabeça ("head-to-head agglutination")( 4, 6, 7). Nas fases iniciais da doença é possível evidenciar edema escrotal (acúmulo de fluido serosanguinolento entre as túnicas) e em epidídimo, e problemas de dermatite em bolsa escrotal (1, 4, 5, 6, 8). Em casos crônicos, os testículos tornam-se atróficos e o ejaculado possui células inflamatórias e pequeno número de espermatozóides, ou mesmo azospermia (1, 4, 6, 7). Desta forma, o mais evidente sinal clínico em machos infectados é a infertilidade, acompanhada de alterações nos parâmetros do espermograma (3, 4, 7, 8).

 Diagnóstico

         1. História clínica e evidências epidemiológicas

         Ocorrência de aborto no terço final de gestação em fêmeas saudáveis e/ou infertilidade, epididimite, alteração no espermograma e atrofia testicular em machos sadios podem ser sugestivos de Brucelose em uma criação de cães (3, 4, 6, 8).

         Como achados de exames laboratoriais, pode-se observar hiperglobulinemia (beta e gama) associada a hipoalbuminemia em animais cronicamente infectados (5).

         O histórico de transporte de animais para outras propriedades ou para exposições, e de recebimento de animais oriundos de outras propriedades para acasalamento ou hospedagem devem ser levados em conta para estabelecer o diagnóstico (8).

         2. Testes sorológicos

         A sorologia para Brucelose é talvez o método de diagnóstico mais utilizado, devido à disponibilidade comercial destas provas (5, 6). Possui a vantagem de ser rapidamente executada, de forma prática (8). Em contrapartida, não há testes específicos para Brucella canis; desta forma, resultados falso-positivos podem ser obtidos (5, 8).

         Anticorpos para Brucella canis podem ser encontrados em títulos altos durante os estágios de bacteremia. Todavia, quando a bactéria migra para os tecidos, o nível de anticorpos detectáveis decai consideravelmente, interferindo de forma negativa no resultado dos testes sorológicos (8).

         Os testes sorológicos podem ser divididos em (1) os que utilizam antígenos de parede celular (de superfície) e (2) aqueles que utilizam antígenos citoplasmáticos 8. Os primeiros possuem a desvantagem de apresentar reações cruzadas com algumas cepas de bactérias, como Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus, Bordetella bronchiseptica, Brucella ovis e Brucella abortus (4, 5, 8). Nestes casos, a possibilidade de resultado falso-positivo não pode ser descartada (8).

         Os testes que detectam anticorpos contra antígenos de superfície são: 1. soroaglutinação rápida e 2. soroaglutinação rápida em tubo (8). Para aumentar a especificidade do método para Brucella canis, pode-se adicionar 2-mercaptoetanol ao soro antes do início do teste, pois esta substância elimina a interferência não específica da IgM, não alterando a sensibilidade do teste (4, 5, 8). O método de soroaglutinação rápida com 2-mercaptoetanol possui alta sensibilidade; desta maneira, é o teste apropriado para triagem dos animais para Brucelose (8). Ainda, por ser um teste prático, barato e rápido, indica-se sua utilização em clínicas veterinárias (4). Porém, deve-se fazer a ressalva de que há possibilidade de falso-positivos e, portanto, os resultados positivos devem ser confirmados com outros métodos (4,8). Normalmente, os testes de soroaglutinação rápida utilizam antígenos heterólogos de Brucella ovis (4). O teste de soroaglutinação rápida em tubo com 2-mercaptoetanol fornece os resultados em título (semiquantitativo) e parece ser menos sensível, mas mais específico, que o teste de soroaglutinação rápida (4, 5, 8). Neste sentido, pode-se indicar a utilização deste método para quantificar e monitorar a resposta sorológica de cães infectados e tratados (5, 8).

         O método de imunodifusão em ágar gel também utiliza antígenos de parede celular; desta forma, está também sujeito a reações cruzadas com antígenos de outras bactérias que não do gênero Brucella (4, 8). Este teste é mais específico que o de soroaglutinação rápida; por outro lado, a preparação do antígeno é complexa, o que dificulta a disponibilidade comercial do teste (6, 8). Além deste fato, a interpretação do resultado é subjetiva, por não ser um método quantitativo (4, 6, 8). Recentemente, foi desenvolvido um teste de imunodifusão utilizando-se antígeno citoplasmático que é considerado, atualmente, o método mais específico para o gênero Brucella (4). Além disso, com este teste é possível a detecção de antígenos a partir de 12 semanas pós-infecção até 36 meses após o período de bacteremia, o que permite sua utilização para detectar infecções crônicas, quando outros testes fornecerem resultados negativos (4). Nas fêmeas, a melhor época para o envio de material para diagnóstico de triagem é durante o estro, gestação ou após abortamento (5).

         Os testes de soroaglutinação rápida são bastante sensíveis e, portanto, indicados para procedimentos de triagem (6, 8). Em contrapartida, o método de imunodifusão em ágar gel possui alta especificidade, podendo funcionar como teste confirmatório para os métodos de triagem (6, 8). Porém, como o teste de imunodifusão não é apropriado para detectar antígenos antes de 8 a 12 semanas pós-infecção, se o teste de aglutinação rápida fornecer resultado positivo e a imunodifusão, negativo, é possível que o animal realmente não esteja infectado ou trata-se de início de infecção (5, 6, 8). Nestes casos, o isolamento do agente por hemocultura é indicado (5, 8).

         3. Método direto de diagnóstico - isolamento do agente

         A detecção da Brucella canis em secreções orgânicas ou tecidos é confirmativa para diagnóstico de Brucelose (6). Todavia, é importante saber escolher o material mais adequado a ser enviado para pesquisa do agente e em que fase da doença haverá maior probabilidade da bactéria estar presente em determinadas amostras (8). Secreção vaginal de fêmea que abortou e líquido prostático são os materiais mais apropriados para cultura do agente que normalmente é positiva após 64 semanas pós-infecção (8).

         A hemocultura pode ser indicada para os estágios iniciais da infecção, o que confirma o diagnóstico (5, 6, 8). Após 30 semanas da infecção, a bacteremia se torna intermitente, dificultando o diagnóstico por este método (8).

         Os resultados de testes sorológicos e dos cultivos devem ser sempre interpretados com cautela, especialmente quando avaliados em conjunto com história e sintomatologia clínica de casos crônicos (8). É possível suspeitar da ocorrência de Brucelose em duas situações distintas: quando houver evidência clínica da doença (abortamento ou epididimite) ou quando um resultado isolado de um teste de aglutinação rápida com 2-mercaptoetanol for positivo, embora sem sintomas clínicos da infecção ou histórico na propriedade (6, 8).

 Tratamento

         Instituindo-se a antibioticoterapia, a bacteremia cessa e há declínio do nível de anticorpos circulantes, o que não significa erradicação da doença, pois interrompendo-se a administração de antibióticos o animal volta a ser soropositivo (1, 5, 8). Até o momento, não se conhece tratamento eficaz para Brucelose em cães, em função da localização intracelular do agente, mas sim uma forma de amenizar a transmissão do agente, eliminado-o da circulação e inibindo seu crescimento (4, 5). O protocolo de tratamento mais eficiente até o momento, entretanto o mais caro, é a combinação de minociclina (25 mg/kg, VO, SID) por 2 semanas e dihidroestreptomicina (5mg/kg, IM, BID) durante 1 semana (4, 8).

         O tratamento de um animal infectado isoladamente difere da abordagem terapêutica para um canil ou propriedade com diversos animais (8). Normalmente preconiza-se o isolamento do animal soro-positivo, castração e antibioticoterapia (prolongada) no intuito de reduzir as chances de disseminar a doença (5, 8). Embora a transmissão do agente por animais castrados seja mínima, ainda há possibilidade da bactéria estar presente nos tecidos como, por exemplo, em secreções prostáticas, mesmo após administração de antibióticos 5. Por tratar-se de um agente de zoonose, é preciso que as medidas sejam cuidadosamente discutidas com o proprietário do animal, principalmente em locais nos quais a convivência do cão com crianças ou mulheres gestantes é próxima (8).

 Prevenção e controle

         Quando houver suspeita de infecção por Brucella canis em um canil, algumas medidas devem ser tomadas prontamente e de forma agressiva:

         1. confirmar o diagnóstico por métodos que se ajustem ao caso em questão (1, 2, 8). Se houver manifestações clínicas, deve-se enviar material deste animal para cultura e isolamento do agente (8). Caso a doença seja confirmada em pelo menos um animal da propriedade, será preciso testar todos os outros por métodos sorológicos 8. A escolha do método de diagnóstico a ser empregado está na dependência do tempo de infecção, pois animais infectados por menos de 4 a 8 semanas podem apresentar resultados falso-negativos (8, 2). promover isolamento e quarentena dos animais da propriedade (1, 8). Nenhum animal deve ser introduzido ao plantel durante o período em que a fonte de infecção e a via de transmissão estão sendo investigadas (4). Ainda, não se deve transportar animais desta propriedade para fora do local (8, 3). determinar a fonte de infecção (8), que não necessariamente é o animal que apresenta sintomas clínicos de brucelose. Neste sentido, é de extrema importância que todos os animais do plantel sejam testados sorologicamente, iniciando-se por animais que apresentarem contato mais próximo com o cão suspeito (8; 4). eliminar o modo de transmissão (8). Quando um surto de brucelose ocorre em uma propriedade, todas as vias de transmissão devem ser consideradas, principalmente os materiais que sabidamente contêm maior número de bactérias, tais como: secreção vaginal de fêmea que abortou, material abortado e sêmen e urina de machos infectados (6, 8). Porém, vias clássicas de transmissão não devem ser descartadas como, por exemplo, via oral, aerossóis, fômites, entre outras (8; 5). desinfetar o local e materiais (8). Sabe-se que a bactéria não sobrevive à ação de derivados de amônia quaternária e iodóforos (4, 8). Entretanto, é preciso oferecer especial atenção aos funcionários do canil que cuidam dos animais, em função do potencial de zoonose da doença e, ainda, de poderem funcionar como fontes de infecção (4). Assim, cuidados na manipulação dos animais e higiene rigorosa do canil devem ser aplicados (5, 8. 6). identificar e eliminar os animais infectados (1, 8). Assim que os animais positivos forem identificados, é preciso isolá-los com urgência (2, 8). Os testes sorológicos devem ser conduzidos mensalmente até que a infecção seja completamente eliminada, ou seja, até o momento em que 3 testes sorológicos consecutivos resultarem negativos para cada animal da propriedade (4). Sempre deve-se levar em conta que os animais podem eventualmente estar em diferentes estágios da doença, o que significa que alguns testes sorológicos podem apresentar resultados falso-negativos (8). Se a propriedade possuir estrutura adequada para o isolamento dos animais, testes sorológicos bianuais ou a cada 4 meses são suficientes para procedimentos de erradicação da doença (8). Deve-se salientar que, para fins de erradicação, a identificação e eliminação dos animais positivos é o único método eficiente em canis, pois medidas sanitárias estritas e antibioticoterapia não evitam a transmissão para animais não infectados (4; 7). iniciar práticas de controle que minimizem a possibilidade de contaminação futura (8). Até os dias de hoje não foi desenvolvida uma vacina para Brucella canis (4, 5, 8). Desta forma, práticas adequadas de manejo são de fundamental importância para o controle da doença em canis (5). As propriedades de cães devem sempre adotar medidas de quarentena para animais vindos de fora, seja para incorporação ao plantel, seja para acasalamento (8). Nestes casos, é preciso que se exijam testes sorológicos de animais vindos de outros canis para acasalamento (1, 8). Animais introduzidos ao plantel devem ser testados seqüencialmente pelo menos duas vezes com intervalo de 30 dias entre os testes (1, 4, 5). Cães selecionados para reprodução devem ser testados sempre ao preceder um acasalamento (4). O canil não deve aceitar em qualquer hipótese a introdução de um animal em sua propriedade com sintomas clínicos da doença (incluindo fertilidade desconhecida) (4, 8). Cães pertencentes ao canil mas que temporariamente estiveram fora devem ser avaliados sorologicamente antes de serem reintroduzidos ao plantel (8). Recomenda-se testar todos os animais do plantel anualmente, ou quando surgem problemas como abortamentos ou falhas reprodutivas (4).

M.V. Camila I. Vannucchi

Pós-graduanda em Reprodução Animal - FMVZ / USP

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