A Melhor Angulação Escapular para a Movimentação


Ainda hoje, inúmeros padrões de raça enaltecem o ângulo de 45° , como ideal, para a inclinação das escápulas com a horizontal, visando a otimização do alcance das passadas dos membros anteriores durante a movimentação.

Persiste, entretanto, um erro básico de postulação do problema em todos os estudos já elaborados sobre a estrutura ideal para a movimentação: estudar movimentação considerando o cão em estação (parado). Com isto perdem-se inúmeros dados que poderiam auxiliar no estudo da biodinâmica da movimentação.

Aqui, pretendo incluir vários movimentos, até agora omitidos, que são os da própria escápula durante o exercício da movimentação.

1. variação do ângulo com a horizontal: 15° para frente e 15° para trás.
2. movimento elíptico do ponto médio da crista da escápula.
3. levantamento da crista da escápula, acima da linha superior ao apoiar a pata no solo para sustentar o peso corporal do animal observado.
4. movimento à frente de todo o conjunto muscular da cinta torácica transportando a escápula à frente no afã de melhorar o alcance da passada.

O Ombro

A escápula é o contato do membro anterior com o tronco e o único osso que não está acoplado por meio de articulações. Nos Humanos, a escápula articula-se com a clavícula que articula-se com a caixa toráxica no manúbrio do esterno. Nos cães, a clavícula é atrofiada ou, até inexistente, mas a tendência é o desaparecimento total.

A nossa caixa toráxica, tem o formato elíptico, cujo eixo maior está entre os ombros, enquanto que nas espécies quadrúpedes, exatamente por serem quadrúpedes o eixo maior está entre a espinha vertebral e osso esterno.

Nos humanos a escápula trabalha nas costas, nos caninos, ela é um osso chato e curvo perfeitamente amoldado ao formato das faces laterais da caixa torácica, proporcionando o movimento deslizante entre os músculos que a sustentam contra o tórax.

Esse complexo muscular, chamado de cinta toráxica sustenta, sem fixar, a escápula na sua posição, formando uma articulação muito sigular, mioartrose ou articulação muscular.

A escápula, com seu formato especial, achatado e modelado ao tórax, possui uma espinha na sua face externa disposta ao longo do seu maior comprimento e que a divide em duas metadas, praticamente iguais, de grandes superfícies para inserção e arquitetura de um complexo sistema biomecânico de músculos suspensórios e amortecedores, cuja distribuição tem orígem em 3 direções principais: pescoço, dorso / costelas e membros anteriores.

Esse formato achatado e amoldado ao tórax, permite seu trabalho junto ao tronco, livre, sem articulações, em movimentos deslizantes ao sabor das contrações e relaxamentos musculares.

Na articulação com o úmero, sua parte mais reforçada, a escápula funciona como um capitel de coluna grega, que sustenta bem mais que a metade do peso corporal do cão.

Para o aproveitamento máximo do esforço, a espinha da escápula deveria, segundo a maioria dos padrões de raça, fazer um ângulo de 45° com a horizontal, ângulo esse, que ofereceria, ao úmero a maior amplitude do movimento pendular do membro anterior, para a frente e, como conseqüência imediata maior amplitude de passada.

O valor ideal de 45° é discutível, uma vez que são raríssimos os exemplares cuja angulação escapulo-horizontal tem esse valor e, os que o apresentaram, não demonstraram bom rendimento na movimentação.

H á que ser observado que o hipismo existiu antes da cinofilia, cujos primeiros padrões de raça foram redigidos por hipistas, com parâmetros eqüinos, os quais, por sua vez foram elaborados à luz da anatomia humana.

As estruturas eqüinas que deram certo, foram estudadas para espécies animais de grande porte, com um peso aproximado de 500 a 600 quilos. As espécies caninas mais pesadas atingem cerca de 10% desse valor.

Nas espécies caninas, a cinologia observou que os exemplares de melhor rendimento, no trote, apresentavam um valor em torno dos 50° a 60° para a angulação escapulo-horizontal.

O Cão em Estação

O ângulo, que a escápula faz com a horizontal, tem muito pouca importância para o cão em estação, se o objetivo é a otimização do alcance à frente, dos membros anteriores, durante a movimentação.

De fato, toda a teoria apresentada por McDowell Lyons, considerou, para suas hipóteses o cão em estação.

As ilustrações de Lyons comparativas entre as escápulas inclinadas a 45° e 60° para dissertar sobre a eficiência do alcance da passada dos anteriores jamais considerou os possíveis movimentos da escápula.

Lyons comete o absurdo de afirmar que o fato da escápula estar inclinada a 45° aumenta seu tamanho proporcionando uma área maior para a inserção de músculos, no lugar de comparar duas escápulas de mesmo tamanho, variando, apenas o ângulo de inclinação.

O segundo grande erro geométrico aconteceu quando Lyons tentou analisar, separadamente, os movimentos escapulares montando sua hipótese com o objetivo único de provar que o ângulo de 45° era "de longe superior ao de 60º":

1. 45° corresponde à diagonal do quadrado.
2. 60° , geometricamente, corresponde à diagonal de um retângulo e à hipotenusa dos dois triângulos retângulos formados, portanto, 15% maior que a diagonal de um quadrado inscrito (trigonometria).
3. Uma análise isenta deveria supor duas inclinações diferentes, 45° e 60° para a mesma escápula, no lugar de afirmar que 60° confere um arco menor, declarando o maior absurdo geométrico.
4. Para reforçar sua afirmativa absurda, sem base trigonométrica, mostra que a escápula a 60° descreve um arco menor (F) que uma com ângulo de 45° quando a escápula sequer gira somente em torno de um eixo teórico pois ela, segundo o próprio Lyons não está fixa por articulação e sim, por musculatura.

No momento em que, durante a movimentação (e não em estação) a pata busca uma posição o mais à frente possível, a escápula deverá assumir o ângulo de 45° , e, para levar esse membro para trás, o ângulo da escápula, com a horizontal deverá aproximar-se dos 90° , isto é quase vertical.

Para que isto possa acontecer, o ângulo da escápula com a horizontal, quando o cão está em estação deverá ficar em torno dos 57° a 60° .

O movimento escapular não é, assim, tão reduzido que possa ser desprezado.

       

Girando sobre o eixo teórico (C), no centro do maior tamanho da espinha da escápula.

No movimento do membro para a frente, a escápula gira, em sentido horário, cerca de 15°. No movimento para trás a escápula gira, em sentido anti-horário, cerca de 30° .

Há, ainda que levar em consideração o fato que todos os autores descrevem a escápula como não estando articulada com osso algum do tronco, mas sustentada por complexo muscular, complexo esse que permite ao eixo teórico (C) um movimento elíptico.

A coroa da escápula aparece várias vezes acima da linha superior durante a movimentação.

Computar esse movimento elíptico, complicaria o cálculo da angulação escápuloumeral tomada com o cão em estação.

Entretanto, é exatamente esse, o movimento que permite ao cão realizar a força tratora, no ápice da escalada duma rampa de obstáculos, para colocá-lo do outro lado. Os músculos que realizam esse trabalho são os de inserção na escápula.

A coroa forma o que chamamos de cernelha e a ponta da escápula, cuja cavidade glenódea articula-se com o úmero, forma a ponta do ombro e o vértice da angulação escapuloumeral. Num ombro bem construído, a distância da coroa da escápula até a ponta do ombro deve ser aproximadamente igual à distância da ponta do ombro ao cotovelo.

A Articulação Escapuloumeral

Não se pode falar de modificação da angulação escapular sem fazer uma análise da angulação escapuloumeral com os valores de uma nova situação da escápula.

1. É preciso fazer as contas.
A bissetriz do ângulo entre a crista da escápula e o eixo do úmero deve ser horizontal.
Para que isto aconteça, a angulação escapuloumeral deve ser sempre o dobro do ângulo da escápula com a horizontal.
Em outras palavras o ângulo que o úmero deverá fazer com a horizontal é idêntico ao ângulo da escápula.

O antigo padrão da raça Rottweiler preconizava um ângulo de 90°, para a articulação escápulo-umeral, e de 45° a da escápula com a horizontal.

Quando perceberam que o Rottweiler jamais iria ter uma escápulo-umeral de 90° , mesmo porque, se conseguissem pareceria aleijado, mudaram para 115° , mas esqueceram-se de reavaliar a escápulo-horizontal, que permaneceu nos 45°.

A diferença: 115° - 90° = 25° agora, 45º + 115º = 160º, então, o úmero faria, com a vertical, um ângulo de, apenas 20° que é a diferença com a soma de dois ângulos retos: 180° : 180° - 160° = 20°

Para equilibrar, novamente o sistema, o ângulo real com a horizontal deverá ser substituido de 45° para, em torno de 57° ou, até mesmo, em torno dos 60° . A teoria que diz que a escápula ideal está a 45° com a horizontal, acaba de ser ultrapassada, pois todos os cálculos feitos até agora sobre a angulação escapular ideal para uma movimentação fluente com maior alcance de passada foram feitos considerando o cão em Stay esquecendo, completamente, que:

1.  a escápula articula-se com o tórax através de musculatura (cinta torácica);
2. durante a movimentação, a escápula desenvolve uma trajetória pendular, oscilatória em torno de um eixo;
3. esse eixo, por sua vez, descreve um movimento elíptico, causando o aparecimento da crista da escápula acima da linha superior várias vezes durante o trote.
4. a inclinação da espinha da escápula, resultante desses movimentos, oscila em torno dos 45º; 15° à frente e 30° para trás. 

Assim, com a escápula a 60° em stay, na sua posição extrema para à frente, (-15° ) o ângulo da espinha da escápula atinge a angulação ideal de 45° .

Os criadores alemães estão no caminho certo, só resta corrigir o ângulo escápulo-horizontal (no texto, porque efetivamente, os cães já os tem corretos, só que está sendo considerado falta).

A conclusão que se chega é que a melhor angulação para a escápula é mesmo a de 45° QUANDO EM MOVIMENTO E A POSIÇÃO DO MEMBRO, MÁXIMA À FRENTE

E, para estar nesta posição, é necessário que, parado o cão tenha uma angulação escapulo umeral de 115º a 120° e uma angulação escapulo horizontal de meio valor 57° a 60°

Bruno Tausz - Etólogo