DOENÇAS CAUSADAS POR HERPES VÍRUS CANINO


1 – Histórico:

         O herpesvírus canino (CHV) foi descoberto, em 1965, nos Estados Unidos, por Carmichael e, posteriormente, descrita também na Inglaterra, França, Austrália e Holanda.

         Foi considerado como causador de uma doença fatal em neonatos. Também é, e foi, encontrado em animais de saúde perfeita, o que nos faz concluir que é responsável por uma infecção inaparente (latente). 

2 – Epidemiologia:

2.1 – Ocorrência:

         Estudos sorológicos indicam que infecção por CHV é amplamente disseminada na população canina, apesar da freqüência de infecção variar de um estudo para outro.  A incidência de infecção clínica por CHV é pequena.

O herpesvírus tende a gerar uma imunidade pobre e raramente detectamos anticorpos no soro ao final de 2 meses. É difícil quantificar precisamente a porcentagem de cães que foram expostos ao vírus em algum momento de suas vidas, mas tudo indica que pode ser alto. A distribuição do vírus é mundial.

2.2 – Etiologia:

         O CHV é um membro da subfamília Alphaherpesvirinae dos herpesvírus. Vírus de DNA fita dupla e replicação intranuclear. Domina o metabolismo celular e retém o metabolismo do núcleo e membrana para a síntese de glicoproteínas e lipídios do envelope.

         É sensível a solventes lipídicos como éter, clorofórmio e são inativadas por desinfetantes (cloro e alvejantes) em diluição de 1:30. Outros compostos utilizados em hospitais veterinários, como amônia quaternária, fenóis e iodetos são efetivos contra o herpesvírus.

         A temperatura ótima para incubação do CHV em cultura celular é de 35 a 37 º C. temperaturas superiores inibem a replicação viral, fazendo diminuir a sensibilidade dos cães ao agente à medida que ficam mais velhos (a partir de 2-3 semanas),  e têm maior controle sob a termorregulação.

         Dentre as espécies susceptíveis estão os canídeos.

3 – Fatores Predisponentes:

         Seus principais alvos são pacientes com o sistema imune deficiente. Neonatos e fêmeas prenhes são muito susceptíveis, mas todos os cães reprodutores têm importância na disseminação da doença, animais de exposição, de canis, de pesquisa e depósito público de animais são também grupos de risco.

         Fatores estressantes predispõem a recrudescência viral favorecendo a disseminação do agente na população canina. Cães que passaram por quimioterapia, terapia imunossupressora ou com corticóide, podem não resistir a uma infecção. Ainda podem aparecer como grupo de risco, filhotes de coiote, que são canídeos selvagens.

         A infecção por CHV pode induzir a uma infecção por Parvovirus, Coronavirus e Clostridium perfringens.

         Hipotermia em filhotes podem contribuir para a replicação viral, piorando assim a infecção e a baixa temperatura da superfície do trato respiratório superior pode favorecer a localização do vírus em outros tecidos.

4 – Patogenia:

         Nos animais infectados o vírus se replica primariamente nos epitélios das mucosas dos aparatos respiratório, digestivo e genital. É presumível que se produza precocemente uma infecção do encéfalo a partir da mucosa nasal, seguindo as vias nervosas. Nos cães de menos de duas semanas de idade produz-se uma disseminação geral do vírus pela via sangüínea e linfática.

         A imunogenicidade do CHV é típica dos herpesvírus, geralmente pobre. O desenvolvimento de anticorpos neutralizantes é imprevisível e de curta duração, considerando a capacidade de latência do vírus e infecção inaparente. Animais que se recuperam podem apresentar seqüelas reprodutivas e até neurológicas.

         Os anticorpos que a mãe passará para os filhotes através do colostro, vai protegê-los contra a doença clínica, mas não da infecção inaparente.

         Fatores que influenciam na resposta imune do hospedeiro também influenciam na severidade e presença da doença, como: idade do cão na primeira exposição ao vírus; presença de anticorpos passivos; estresse; resposta imune (drogas imunossupressoras, infecções concorrentes, má nutrição, temperaturas elevadas e aglomerados).

         O CHV produz seis formas de doenças. As várias formas presentes são descritas abaixo:

1. VIREMIA AGUDA NEONATAL

         Esta é a forma mais dramática das doenças causadas por CHV e onde a mortalidade é maior.

A)    Ocorrência:

Geralmente acomete filhotes de 1 a 3 semanas de idade, mas raramente ocorre morte em animais antes dos três dias de vida, pois o período de incubação da doença é de 3 a 6 dias.

B)     Transmissão:

C)    Sinais Clínicos:

D)    Patogenia:

A infecção é iniciada nas células do epitélio nasal e tonsilas, e é disseminada através de uma viremia associada a células (leucócitos) pelos tecidos do corpo. A replicação viral secundária ocorre em rins, fígado, pulmões, trato gastrointestinal, baço, glândulas adrenais, cérebro e linfonodos, produzindo lesões multifocais características de hemorragia e necrose. Em filhotes com menos de 2 semanas, a infecção freqüentemente termina com a morte do animal.

E)     Diagnóstico:

Um diagnóstico presuntivo de infecção por CHV em neonatos pode ser feito com base na história clínica, exame físico e alterações patológicas características. O isolamento do vírus se tecidos afetados (especialmente rins, glândulas adrenais, pulmões, fígado ou baço) pode confirmar o diagnóstico.

Em cães que sobrevivem, a história clínica, o exame físico e a presença de anticorpos neutralizantes no soro confirma o diagnóstico.

F)     Anátomo-patológico:

O quadro anátomo-patológico nos cães recém-nascidos se caracteriza por hemorragias na córtex renal, na mucosa gástrica e intestinal, assim como no fígado, que está com focos necróticos amarelados e por edema pulmonar. Nas cavidades orgânicas o líquido seroso está aumentado e mesclado com sangue. Existe também tumefação hiperplásica do baço (esplenomegalia) e linfoadenopatia generalizada. Lesões meningoencefálicas são freqüentes, mesmo quando não há sinais neurológicos. Pode ocorrer lesões oculares, como panuveítes e ceratites.

Histologicamente destacam-se nos cães recém nascidos necroses e hemorragias focais em todos os órgãos. O tecido pulmonar mostra a imagem de uma pneumonia fibrino-necrótica.    

G)    Tratamento:

Devido à rápida e fatal evolução da doença nos neonatos, o tratamento de filhotes afetados mesmo após estabelecido um diagnóstico definitivo, geralmente não é bem sucedido. Além disso, os cães que sobrevivem têm lesões residuais e serão portadores do vírus latente.

Normalmente, a tentativa de tratamento é suporte. Se, após um exame pós-mortem de neonatos, forem encontradas evidências de infecção por CHV, o restante dos filhotes devem ser separados da cadela e amamentados com leite. Estes filhotes  podem ainda precisar de terapia com antibiótico de amplo espectro e reposição de fluidos e eletrólitos. A temperatura retal dos filhotes deve ser aferida diariamente.

A manutenção da temperatura ambiente a 39º C ajuda a dificultar a replicação viral, que tem como temperatura ideal 35 a 37º C.

Uma aplicação intraperitoneal ou subcutânea de 1 a 2 ml de soro hiperimune CHV pode ser útil para imunizar passivamente filhotes soronegativos ao nascimento, medida que diminui os sinais clínicos, porém não evita a infecção latente. Este soro contendo anticorpos anti-CHV pode ser coletado de cães que sabidamente se recuperaram de uma infecção por CHV recentemente.

H)    Prognóstico:

A severidade da doença é determinada pela quantidade de anticorpos maternos transferidos passivamente para o filhote. Uma alta quantidade de anticorpos maternos previne  da forma fatal da doença, mas podem desenvolver a forma latente ou infecção inaparente. Animais que recebem pouca ou nenhuma quantidade de anticorpos, quando infectados antes da 3ª semana de idade, podem morrer de 0 a 24 horas após o início dos sinais clínicos. É uma das doenças que mais mata filhotes recém nascidos.

 2. INFECÇÕES SISTÊMICAS EM FÊMEAS PRENHES: 

   A)    Transmissão:

Pode-se adquirir CHV via trato respiratório superior ou trato genital. O vírus em latência pode ser ativado por um resultado de estresse durante a gravidez.

B)     Sinais Clínicos:

Nas fêmeas infectadas durante a gestação, uma placentite leva à morte fetal e os sinais clínicos incluem aborto, diminuição do número de nascidos, nascimento de fetos mumificados e natimortos, reabsorção fetal e infertilidade. Podem haver filhotes sadios e infectados numa mesma ninhada.

C)    Patogenia:

As fêmeas prenhes podem apresentar os sinais de infecção por CHV tanto por recrudescência viral quanto por prima-infecção, tendo em vista que a gestação é um processo estressante e imunossupressor, (principalmente o terço final – formação do colostro).

No entanto, as fêmeas portadoras do vírus podem imunizar passivamente seus filhotes, mas deve-se tomar cuidado para que ela não contamine o macho. Nem todos os autores admitem a possibilidade de transmissão venérea, mas aceitando a sua existência, o macho portador torna-se um importante disseminador da doença.

D)    Diagnóstico:

Filhotes natimortos apresentam lesões que se assemelham às lesões de cães recém nascidos contaminados.

É comum encontrar na placenta lesões de necrose focais, corpúsculos de inclusão intra-nuclear e degeneração das células trofoblásticas, das células sangüíneas tanto da mãe quanto do filhote.

3. FORMA MUCOSA DE INFECÇÃO POR CHV EM FILHOTES MAIS VELHOS E ADULTOS:

A)    Ocorrência:

Filhotes com mais de 3 semanas de idade e animais adultos.

B)     Transmissão:

Através do contato com secreções e excreções de cães contaminados que estão eliminando o vírus.  Há também transmissão venérea.  

C)    Sinais Clínicos:

Nos animais adultos, a doença se manifesta por infecção leve ou inaparente do trato respiratório superior, caracterizado por rinites, faringites e conjuntivites. As lesões genitais se caracterizam por lesões papulovesiculares na mucosa vaginal semelhantes à infecção por herpesvírus humano; e, no macho, nódulos linfóides e pápulas em prepúcio e base do pênis. Pode gerar uma vaginite ou balanopostite.

D)    Patogenia:

É a forma mais branda da doença. A primeira replicação do vírus acontece no trato respiratório superior, nas tonsilas e na nasofaringe.

Animais com adequada resposta imune se recuperarão sem manifestação da doença clínica. Animais com deficiente resposta imune quando submetidos a uma situação de estresse ou de uma reinfecção podem Ter desde uma leve até uma severa infecção do trato respiratório superior.

4. FORMA OCULAR DE INFECÇÃO POR CHV

A)    Patogenicidade:

Inflamações podem ser brandas e é freqüentemente auto-limitante. Porém pode causar doença severa no desenvolvimento e no olho do neonato.

B)     Sinais Clínicos:

Pode ocorrer displasia de retina com um pregueamento ou destacamento de retina e retardamento na maturação da retina.

Infecções neonatais podem produzir panuveítes e retinites por 4 dias depois da infecção.

Cataratas, ceratites e sinéquia periférica anterior (aderência da íris na retina) também podem ser vistos.

5. INFECÇÕES MISTAS

         Imunossupressão causadas por outras viroses e o estresse de doenças intercorrentes iniciam a conversão de infecções latentes por CHV para uma forma ativa. CHV então contribui para as patologias de outros patógenos envolvidos em infecções mistas.

6. INFECÇÕES LATENTES

         O quadro revelado é de uma latência sendo estabilizada no sítio de entrada original, com o genoma viral sendo incorporado ao DNA da célula hospedeira. Isto normalmente ocorre na orofaringe ou na área genital.

Uma vez a infecção estabilizada, o hospedeiro torna-se vitalício, com o vírus latente na célula ou com o vírus livre e com uma infecção ativa (com ou sem a apresentação de sinais clínicos).

5 – Diagnóstico:

         Em animais mais velhos, a infecção pode passar desapercebido. Em animais sintomáticos, pode-se isolar o vírus da orofaringe ou das lesões genitais para um diagnóstico definitivo. Títulos sorológicos podem ou não ajudar do diagnóstico da infecção nesses animais, devido ao estado de portador latente.

6 – Anátomo-patológico:

         Nos animais adultos se observam edemas pulmonares difusos com zonas engrossadas, especialmente nos lóbulos apicais e cardíacos, os linfonodos mediastínicos estão aumentados de tamanho e hiperêmicos.

         Histologicamente, os animais adultos apresentam necroses epiteliais com corpos de inclusão eosinofílicos intranucleares nos pulmões, assim como focos broncopneumônicos.

7 – Tratamento e Profilaxia:

         Medidas de controle devem ser direcionadas para prevenir a forma virêmica aguda neonatal e para infecções sistêmicas em fêmeas prenhes, pois a infecção respiratória superior é difícil de monitorar na natureza. Então precauções extras devem ser criadas para minimizar a extensão do vírus entre canis.

         Impor uma quarentena na parição de cadelas e de suas ninhadas durante o período de máxima susceptibilidade. Este período pode ser de 3 semanas antes e 3 semanas depois do parto,  quando a cadela e seus filhotes devem ser colocados separados de outros animais e devem também ser isolados de pessoas que normalmente manipulam outros cães.

         A cobertura é outro período de risco, que pode ser diminuído se forem realizados em ambos os cães um exame físico exatamente antes da cobertura para detectar a presença de vesículas que caracterizam a infecção corrente.

Devido à natureza esporádica da doença e à pobre imunogenicidade do CHV, existem muito poucos incentivos médicos e financeiros para o desenvolvimento de uma vacina. Não existem vacinas disponíveis, mas há relatos na literatura que o uso de vacinas mortas no início da gestação pode algum dia possibilitar um controle das manifestações clínicas da doença no peri-partum.

         Os filhotes que sobrevivem excretam grandes quantidades de vírus por muitas semanas após a recuperação. Medidas de higiene e desinfecção adequadas devem ser tomadas para destruir os resíduos virais na ambiente e minimizar a sua disseminação através de fômites. Fêmeas infectadas e sua ninhada devem ser isolados de outros cães.

         O controle da infecção por herpesvírus é problemático. A antigenicidade do vírus é pobre e fêmeas infectadas terão freqüentemente ninhadas normais após terem ninhadas infectadas.

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