HEREDITARIEDADE


A hereditariedade, nem sempre fácil de compreender e controlar está na raiz de diversos problemas físicos e mentais que preocupam os criadores.

Grande parte das características genéticas indesejáveis pode ser evitada impedindo-se a reprodução de seus portadores. Mas este procedimento, adotado por criadores responsáveis, nem sempre garante o nascimento de crias saudáveis, pois as combinações genéticas podem ocorrer de diversas formas, produzindo resultados que contrariam todas as previsões.

Defeitos congênitos

Para que se possa compreedner o assunto, é necessário relembrar algumas noções básicas sobre a reprodução dos cães. A fertilização do óvulo pelo espermatozóide dá origem ao ovo (zigoto) que evolui até a formação do recém-nascido. No período de gestação, que é de 63 dias, em média, o feto passa por diversos estágios, durante os quais vários fatores podem interferir negativamente na formação das estruturas do futuro cãozinho. Alguns estão ligados a drogas, desnutrição, radiações, entre outros, e determinam defeitos congênitos não-hereditários - os filhotes podem nascer com problemas orgânicos fatais ou tê-los quando adultos; porém, não os transmitem a suas proles. Outros problemas podem ocorrer em função de combinações de genes inadequadas e, estes sim, têm influência sobre os descendentes.

As doenças hereditárias são causadas por três grupos de defeitos genéticos: de cromossomo, de um gene e poligênicos (de múltiplos genes). Como regra geral, as alterações serão mais drásticas quanto mais cedo ocorrerem no processo de gestação, determinando reabsorções fetais ou abortos.

Quando ocorrem mais tardiamente propiciam o nascimento de indivíduos portadores sadios, porém transmissores, ou indivíduos inicialmente sãos que, ao tomar contato com o meio ambiente, desenvolvem alterações incompatíveis com a vida ou têm funções prejudicadas - caso de filhotes com displasia coxofemoral (alteração de concavidade coxo-femoral), que nascem fortes e, mais tarde, com o desenvolvimento corpóreo, não conseguem se manter em pé por falta de sustentação do fêmur. O controle destas doenças exige estudo rigoroso da ascendência e descendência das raças em variados ambientes.

Defeitos de cromossomo

Muitos dos defeitos de cromossomos não são estudados porque rearranjos em larga escala ou perda de alguns genes acabam sendo fatais. Embora raros, observam-se alguns problemas ligados aos cromossomos sexuais X e Y determinando problemas de fertilidade.

Destacam-se neste grupo :

· Digenesia gonadal 77-X, em que a cadela tem infertilidade primária e cio irregular. Devido à esterilidade das fêmeas, a doença não assume importância pois é autolimitante;

Aspermogênese e hipoplasia testicular XXY 79, que ocorre em machos, com a associação de um cromossomo X extra, causando infertilidade. Os animais com o problema têm testículos atrofiados, pouca ou nenhuma produção de espermatozóides, baixo peso corpóreo e, em alguns animais, má formação cardíaca (ausência de septo ventricular). Há relatos de ocorrência em animais da raça Braco Alemão de Pêlo Curto.

Defeitos de um gene

São geralmente encontrados em uma raça específica ou em raças assemelhadas. Destacam-se neste grupo:

· Síndrome dos membros curtos (acondroplasia) ou nanismo com anemia - ocorre na raça Malamute e caracteriza-se pelo aparecimento de graves sinais de raquitismo que não respondem a tratamentos nutricionais;

Nanismo com displasia retinal - forma recessiva, descrita na raça Retriever do Labrador (a displasia retinal também é observada nas raças Sealyham Terrier, Cocker Spaniel Americano, Springer Spaniel, Bedlington Terrier e Autralian Shepherd, podendo levar à cegueira);

Osteopatia crânio-mandibular - doença do sistema nervoso, mais especificarnente do cerebelo; de herança recessiva, acomete a raça Kerry Blue Terrier, causando incoordenação de movimentos, perda de equilíbrio, tremores na cabeça (sinais que aparecem geralmente entre o 2° e o 4° mês de idade); doença similar tem sido descrita na raça Fox Terrier Pêlo Liso;

Leucodistrofla da célula globóide - doença letal de herança recessiva, que se verifica em cães da raça Cairn Terrier e West Highland White Terrier, determina destruição de substância branca do cérebro e perda de mielina (substância de origem gordurosa que envolve as células nervosas), promovendo o aparecimento de sintomas de incoordenação e paralisia de membros posteriores com incidência após os 4 meses de idade;

Lipofuscinose neuronal - doença degenerativa, letal, de herança recessiva, que ocorre entre o 12° e 15° mês de idade em cães da raça Setter Inglês, determinando depósito de grãos de gordura nas células nervosas; os sinais clínicos observados são diminuição da visão e degeneração mental progressiva;

· Síndrome de Ehlers-Danlos ou astenia cutânea - caracteriza-se por hiperextensibilidade da pele, determinando feridas causadas por defeito na formação de colágeno (proteína do tecido conjuntivo); de origem dominante, afeta a raça Springer Spaniel;

Acrodermatite do Bull Terrier - provocada por gene recessivo, causa severa dermatite (inflamação da pele), otites, diarréia e morte por problemas respiratórios por volta dos 7 meses de idade;

Doença de von Willebrand (hemofilia) - causada por gene dominante pode acometer várias raças, destacando-se o Pastor Alemão, Golden Retriever, Dobermann, Pinscher, Schnauzer; pode ser letal e prejudica a coagulação, determinando sangramento nasal, hematomas em articulações, claudicações e anemia;

Neutropenia cíclica - alguns tipos de cães da raça Collie de cor cinza apresentam baixa resistência a infecções, perda de apetite, claudicações e febre, com queda no número de neutrófilos (células brancas do sangue responsáveis pelo combate a agentes de doença); cães com o problema podem morrer com infecções por volta dos 6 meses de idade e com problemas de coagulação sanguínea, uma vez que as plaquetas (células que atuam na coagulação do sangue) também são afetadas.

Defeitos poligênicos

De difícil detecção pelos criadores e veterinários, este grupo de doenças permanece quase que totalmente desconhecido da ciência.

Cruzamentos entre parentes, repetidos por gerações, e a falta de acompanhamento destes são fator de alto risco e agravamento dos problemas - muito graves, como

criptorquidismo (ausência de um ou dos dois testículos) que pode ocorrer em todas as raças; distúrbios oftálmicos do Collie e do Old English Sheep Dog e as displasias coxofemoral e de outras articulações (como a do cotovelo) que já começam a se tomar mais comuns em nosso país nas raças braquicéfalas (como Bulldog e Shar-Pei).

Freqüência

Embora não tenhamos no Brasil estatísticas sobre doenças genéticas dos cães, sua ocorrência no geral é baixa, com maior incidência em raças raras, submetidas a sucessivos cruzamentos consanguíneos. Em pesquisa realizada com 137.717 pacientes de clínicas veterinárias universitárias nos Estados Unidos e Canadá, detectaram-se 6.455 animais com defeitos congênitos. A ocorrência dos defeitos congênitos é estimada em aproximadamente 0,5% a 1% de todos os filhotes caninos. A quantidade de anomalias é grande e envolve geralmente os sistemas nervoso central, ocular, muscular, esquelético e cardiovascular.

Recomendação

Os criadores devem estar atentos para os seguintes problemas nos filhotes:

· Natimortos;

· Mortalidade no primeiro ano (durante a lactação, no desmame e na fase de crescimento);

· Anomalias no primeiro ano (displasias; problemas oculares, de pele, infecciosos, de coagulação, cio, ósseos; raquitismo);

· Problemas teratogênicos (deformações).

O aumento destas ocorrências deve ser relatado ao veterinário assistente para a realização de possíveis necrópsias e avaliação das alterações, visando um programa de correções no canil.

Por Regis Christiano Ribeiro

Médico Veterinário Diretor Clínico da Clínica Veterinária Brooklin (São Paulo) e professor da Cadeira de Nutrição Veterinária da
Universidade Paulista - UNIP